quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

As Crônicas de Lara: A Viagem do Peregrino da Alvorada


Quando criança, cultivei um ambicioso sonho de ser aventureiro. Na verdade, não tinha exata noção do que significava ser um aventureiro nos dias de hoje, apenas tinha a aspiração inocente de ser como os heróis dos filmes, livros e quadrinhos que eu avidamente devorava. E esse sonho se resumia basicamente em viajar, conhecer muitas pessoas e lugares. A parte de ser justiceiro – e lutar contra monstros – eu já sabia que não seria possível, mas enfim, era uma zona de conforto me imaginar um jovem forte e independente, a despeito da minha real situação, de um moleque magrelo e medroso.

À medida que os anos transcorreram, fui quebrando o pequeno ovinho que me isolava. Os festivais de artes e ciências que participei durante o Ensino Fundamental e Médio – que me mantinham longe de casa por quase uma semana – eram o ápice das minhas aventuranças, lembrando, é claro, que sempre fui atrasado nessas coisas. Enquanto meus colegas já tinham barba e gogó, eu mal tinha uma penugem na cara. Enquanto eles já iam em festas, viajavam constantemente e ganhavam sua liberdade progressiva de adolescência, eu fui praticamente uma criança até os 17 anos (minha puberdade veio muito atrasada). E bem, enquanto as ficadas, namoricos e afins rolavam soltas no colégio, eu era apenas um expectador, que de vez em quando gamava em uma menina, mas mantinha essa paixão fugaz apenas no meu pensamento e na minha caneta, pois meu complexo de inferioridade era tão forte e enraizado que me impedia até mesmo de dizer bom dia para a referida garota.
E então, quando surgia uma oportunidade dessas, de sair de minha casa, meu porto seguro, e viajar na companhia de professores e colegas para os festivais, me sentia independente e feliz como nunca era.
E hoje tenho o privilégio de dizer que essa sensação de plenitude, esse sonho de criança de ser aventureiro, cresceu e tomou forma. Consegui, depois de tantos anos, finalmente me convencer que eu posso ser mais livre, independente e um tanto impetuoso. Tudo isso, óbvio, de maneira tranquila e planejada.
Começou quando eu decidi viajar de carona. Devido ao custo muito alto de viajar constantemente de ônibus, a carona é uma boa alternativa para quem é estudante ou militar estadual. Durante os dois anos onde esticar o dedo na beira da estrada era quase rotineiro, vi, ouvi e vivi muitas coisas. Abençoadamente, nunca passei por apuros ou momentos desagradáveis. Apenas viagens divertidas e algumas histórias pitorescas. O hábito de pegar carona me tirou um pouco do medo terrível que eu tinha de tudo e todos. Conheci pessoas das mais diversas classes, opiniões e temperamentos. E isso me fez bem. Mas eu ainda nem imaginava o que me aguardava adiante.
Foi quando comprei minha Virago. Desde aquele momento, adotei um estereótipo que sempre admirei: do Easy Rider, o motociclista viajante e sem destino. Muito próximo do tipo de aventureiro que eu sonhava quando criança.

Os primeiros dias foram tensos. Meu conhecimento sobre manutenção de motos era praticamente nulo, além de minha habilidade de piloto se resumir as aulas recém acabadas da auto-escola. Quando fiz pouco mais de uma semana de compra, escorreguei numa curva e levei meu primeiro tombo. A moto saiu quase intacta e eu só ralei braço e joelho. Tanto que levantei e continuei viagem. O que mais machucou naquele dia foi o orgulho. Mas serviu de lição e desde então não tive mais problemas, à medida que minha habilidade e sincronia com a motoca aumentam a cada passeio. A parte de manutenção foi da mesma forma. Aprendia um pouco mais sobre cuidados com a moto quando os problemas apareciam nela. E não foram poucos: pneu furado, cabo de velocímetro estourado, retentor de bengala vazando, mau contato no sistema elétrico, chave de ignição capenga, ferrugem aqui e acolá. Cada um dos pequenos problemas era resolvido e eu aprendia um pouco mais sobre a minha maquininha.
Quando, enfim, as mudanças vieram. Mudei-me para São José dos Pinhais, e como já disse exaustivamente em outros posts, fora do quartel, meu círculo social é quase nulo. E assim que fiz minha mudança para cá, em meados de novembro, estabeleci que ocuparia minha cabeça com coisas boas até chegar o esperado dia de minha transferência para Guarapuava. Uma das medidas foi ler muitos livros. E a outra medida, aproveitar as folgas e conhecer todos os lugares interessantes que eu conseguisse na região da capital paranaense.
Comecei com o ônibus de turismo de Curitiba, cujo custo-benefício, a meu ver, é justo e perfeito. Visitei praticamente todos os cartões postais da cidade. Nos lugares que não tive tempo de visitar durante o passeio no ônibus, regressei nas folgas posteriores, com minha fiel Viraguinho. Esse foi o resumo de meu dezembro: os clássicos, Jardim Botânico, Teatro Guaíra e Opera de Arame; Centro Histórico, onde conversei com motociclistas de todas as tribos e facções, além de visitar uma feira livre gigantesca, que me trouxe boas lembranças de Campo Mourão e a feira do Urupês; teve mais o Bosque Alemão, Mirante da Oi, o Museu Oscar Niemeyer (eu não imaginava que o tal olho fosse tão gigantesco), além de todos os parques, bosques e exposições que eu descobria por aí. Quando esmiucei Curitiba o suficiente, parti para as redondezas. Visitei a histórica cidade de Lapa – capital brasileira da cultura em 2011 – fui para Vila Velha, com sua famosa taça, além de conhecer o maior moinho da América Latina em Castrolanda, uma próspera e acolhedora colônia holandesa. Por último, nessa semana que passou, desci a Estrada da Graciosa e visitei o litoral paranaense, para sentir o salgado gosto do mar depois de mais de dois anos...

Enfim, se parasse para escrever sobre cada uma dessas visitas, preencheria muitos posts. No total, visitei mais de 40 lugares, cada um registrado com uma média de três a seis fotos, todas organizadinhas e catalogadas. Um dia, se tiver paciência, postarei as fotos – aos poucos – de cada um desses lugares fabulosos.
E por fim, o melhor foi fazer tudo isso sem gastar muito. O combustível é caro, mas a moto é econômica. Fiz muito lanche em posto de gasolina, tomei chuva, pesquisei onde tinha pousadas baratas e enchi minha mochila com muitas bugigangas (de lembrancinhas a livros). Hoje, mais do nunca na minha curta vida, me sinto o aventureiro que sonhei quando criança. Mesmo restrito a distâncias curtas, vejo em cada pequena visita ou viagem, um prelúdio para metas cada vez mais além. E viagens cada vez mais longas e distantes. Hoje é um pedacinho do Paraná. Amanhã pode ser o Brasil, e quem sabe um dia, uma parte do mundo. Sei que posso tudo isso, se planejar com disciplina e prudência, acrescida de um espírito recém adquirido de coragem; uma coragem dentro de um limite saudável, que me faz cada dia mais feliz.

Um adulto que não quer que o espírito de menino sonhador morra.
Um amigo de Narnia vivendo sua própria Viagem do Peregrino da Alvorada...

Um comentário:

Anônimo disse...

Irmão", admiro muito seu blog. É muito bom mesmo.