segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Filosofia da Estrada # 03

E por fim, depois de muito investimento e planejamento (e enrolação), finalmente cumpri minha primeira meta de 2012: pedalar de Campo Mourão até Maringá, e voltar no dia seguinte. Uma aventura simples, saudável e gratificante.
Na verdade, os 93 km que separam ambas as cidades não são uma grande distância. Não há nenhum mérito extraordinário nisso. Ciclistas profissionais treinam rotineiramente distâncias muito maiores que esta e em tempos muito menores do que eu fiz e cicloturistas cruzam o Brasil (e o mundo até) montados em suas bikes. O mérito é apenas um orgulho pessoal. Um desafio só meu que cumpri e que me deixou muito satisfeito. Talvez nem tanto pelo destino, mas pela viagem, que compartilharei agora...


Quinta-feira, dia 9 de fevereiro. Saí de serviço as 8 da manhã, como de costume, após prestar a devida continência à Bandeira Nacional e entregar as novidades para a guarnição seguinte. A noite não tinha sido das melhores. A guarnição foi dormir perto das 2 da manhã após transportar uma gestante de primeira viagem que tinha achado que sua bolsa havia estourado. Não foi dessa vez que fiz um parto... Mas enfim, mesmo com pouco mais de 4 horas de sono, estava decidido a seguir com minha viagem. Arrumei minhas coisas, conferi pela última vez o equipamento, e com o protetor solar devidamente aplicado, parti, com um sol matutino já causticante.
Os primeiros quilômetros são sempre agradáveis. Logo cheguei em Peabiru, cidade vizinha, e conhecida popularmente como capital mundial do tacho (apelido criado deliberadamente para irritar meu querido irmão de Ordem, Tanios, que era de lá).


Mais estrada pela frente e após muitas plantações de soja, dei uma parada em Engenheiro Beltrão pra tomar uma vitamina e comer uma barrinha de cereal.  


Sem enrolar muito, prossegui, por mais e mais plantações. Aí a coisa ficou dramática. O trecho entre Engenheiro Beltrão e Ivailândia tem um dos acostamentos mais zuados que já vi. Além de esburacado, a cada 50 metros tem saliências de asfalto que servem como escoadouro da chuva, tirando totalmente o rendimento da bicicleta para pegar embalo (além de judiar da suspensão). Foi o trecho que mais me atrasou e foi um alívio quando cheguei em Ivailândia e o acostamento voltou a ser decente. Entretanto, mesmo com a intempéries, o mais delicioso de tudo é pedalar devagar, ver a paisagem com calma e cumprimentar os condutores de tratores, caminhoneiros e motoristas, que acenam em solidariedade ao maluco solitário na estrada. É o tipo de coisa que dá um pouquinho mais de força quando o trecho está cansando as pernas.

Perto do Rio Ivaí, pausa pra passar mais protetor solar... Lembro de ter visto que a temperatura aquele dia chegou na casa dos 36° C. E eu já começava  a sentir um cansaço bem incômodo pelo calor, além de suar às bicas. Bebi durante todo o trajeto muita água e muito isotônico, mas naquela altura a desidratação já era num ritmo bem feroz. Uma vez arrumado, passei pela ponte do Rio Ivaí e segui pelo trecho em obras da Viapar, a concessionária que cuida da rodovia até Maringá. Contornei a praça de pedágio (onde fiz uma piada infame com a moça da cancela sobre minha bicicleta ter 250cc. Ignorem) e logo passei pelo município de Floresta, onde a rodovia é em pista dupla, tornando a viagem mais segura e tranqüila.

E após a longa subida até a entrada de Maringá, que quase me matou, finalmente tive um alívio. Nuvens negras cobriam a cidade e avançavam na estrada. Depois de uma manhã inteira de forte sol e seis horas de pedalada (sim, fui bem devagar), cheguei em Maringá pouco antes de uma forte chuva. Na hora me lembrei de uma boa época de minha vida, quando praticava Bugeiko, e o Kyoshi, meu mestre, dizia que a chuva era um sinal de que os espíritos dos guerreiros ancestrais estavam contentes. Naquele momento, eu também estava contente. E cansado.

Me arranjei num hotelzinho e guardei a magrela no apartamento mesmo. Antes disso, visitei meus irmãos de Ordem em Campo Mourão, Luis Felipe e Vitor Hugo, que testemunharam que eu estava vivo (rsrs) e reabasteceram minha garrafa com água. Ambos estudam em Maringá, e tenho que fé que o Luis Felipe trabalhará na Vara da Infância e Juventude e o Vitor Hugo será um grande oficial da Polícia Militar, conforme os desejos de ambos.

Por fim, durante o resto da tarde estiquei as pernas e mais a noitinha visitei o Leandro, meu irmão de farda, que trabalha em Campo Mourão e mora em Maringá. Conheci sua família e saímos, juntamente com sua noiva, pra comer cachorro quente e dar risada dos causos da vida castrense.
Mesmo com a tentadora oferta do Leandro de jogar a bike no seu carro e voltarmos pra Campo Mourao no dia seguinte (ele estaria de serviço nesse dia), resisti bravamente e falei que voltaria pedalando.
E voltei.
Numa viagem muito mais agradável. Saí bem mais cedo, após um café bem reforçado. 

Não se enganem com a foto, isso foi só metade do que comi. Teve mais três copos de suco, dois pães de queijo, uma bisnaga de carboidrato em gel...
Passei em frente à Catedral, que durante o tempo em que vivi em Maringá foi meu refúgio e inspiração nos momentos difíceis da escola de soldados. Me fazia sentir um peregrino da França em Jerusalém pra lutar nas Cruzadas. Exagerado? Sim, bastante, mas era exatamente assim que meu coração se sentia naqueles meses solitários...

E antes de sair da cidade, abasteci minha garrafinha no quartel de Maringá, um dos locais mais controversos da minha mente. Olho para aquela fachada e um arrepio me percorre. Igualzinho ao primeiro dia que entrei naquele quartel com medo de tudo e todos, quando eu tinha abandonado tudo em favor de uma nova vida. São lembranças de momentos difíceis, mas que se tornaram felizes e honrosos depois que viraram memória. Até hoje aquela fachada, aquele quartel me desperta coisas totalmente ambíguas...

Obrigado Maringá, por ter me tornado um pouco mais forte, mesmo sendo na base da porrada...

E fui. O trajeto de volta é muito mais ameno, com mais descidas (exceto na chegada de Engenheiro Beltrão, que tem uma subida bem cruel), além do tempo ter ficado parcialmente nublado, com a temperatura mais agradável. Consegui perfazer a volta em cinco horas e fui recebido com espanto pelos colegas de quartel.
E na mesma tarde – após um banho, uma refeição e um atendimento a uma ocorrência – deixei no quartel a magrela (que só tem magrela no nome, bicicleta pesada da bixiga...) e parti pra carona, chegando em minha querida Guarapuava antes do anoitecer.
E foi isso. Divertido, um pouco cansativo, mas uma aventura que já me incentivou a planejar a próxima, que será um pouco mais longa. Paranavaí, ou talvez Terra Rica (pra já aproveitar e voar de asa delta)... quem sabe. O importante é como disse o Gaióvis, meu irmão de farda de Santa Catarina: enquanto o sol brilha, a gente pedala!!

3 comentários:

Sd. Alves disse...

Isso que eu chamo de pedalar, um movimento natural, você em contato com o que há de mais bruto: a natureza e o desafio.
Sou um grande adepto da bicicleta e faço questão de demonstrar isso; pedalar é sentir seu corpo trabalhando no estado mais puro, seu coração, seus pulmões, as pernas, uma fusão perfeita entre a bicicleta e o ciclista.
Ah, tenho muitas memórias pelos caminhos que passei, mesmo sendo a maioria deles, em treinamento, mas uma coisa tenho certeza: é pedalando que se vai mais longe na estrada da vida !
Valeu Lara, é isso ae, bem vindo ao mundo dos loucos por bikes !
Um abraço.

Waleski disse...

Lara e seu protótipo de burgman 400cc. Grande abraço companheiro.

Capítulo Sete Lagoas nº 295 disse...

Legal Irmão, abraços