sábado, 22 de junho de 2013

Heavy Rain #02


Desde quarta-feira, durante mais de 40 horas não parou de cair água do céu. O tempo já não era mais o cinza depressivo que Guarapuava sempre esteve acostumada. Já beirava o opressivo. Passam-se dois dias e as roupas não secam, as paredes transpiram, os livros começam a eriçar as páginas por conta da umidade. E haja farda para tanto barro.
Já escrevi em outros posts como acho curioso o fato que em minha vida toda grande mudança (ou o oitavo estágio do monomito de Joseph Campbell) vem acompanhada de um tempo terrivelmente carrancudo. E nessa semana, decisiva para o curso de socorristas que estou finalmente concluindo, não foi diferente. Há cinco dias convivo com uma gripe que se recusa a sarar, pois a cada dia tomei mais e mais chuva. E o teste derradeiro foi na madrugada dessa sexta feira, quando o celular tocou perto das 4 da manhã. O quartel convocava todos os socorristas para se deslocarem a Laranjeiras do Sul, por conta dos deslizamentos de terra que ocorreram na cidade e resultou soterramento de duas pessoas. Fui para o quartel do jeito que pude, e após uma hora de viagem com os companheiros de farda, chegamos ao local. Um enorme galpão de produtos agrícolas teve metade de sua estrutura arrasada por uma massa de terra e entulho. No meio da terra, o que um dia foi uma casa. E onde um dia foi a casa, mãe e filha, ausentes de vida, escondidas entre escombros e barro.
A busca foi trabalhosa, envolveu um grande esforço conjunto de bombeiros, policiais e civis. Foi uma manhã de barulho de trator, cheiro de sementes agrícolas, água enlameada e chuva. Chuva insistente, que não parava nem por um segundo, e que começou a me dar raiva a certa altura.

No fim da manhã, o último corpo foi encontrado.

Um pai, que escapou incólume da tragédia, amargou a perda da casa, da mulher e da filha...

Voltei para Guarapuava e, à noite, assumi um turno na ambulância, para prevenção de um evento esportivo. Já era quase meia noite quando a chuva parou. Ficou apenas o ar saturado de neblina. E a lembrança que, depois de uma semana sombria, este já era o primeiro dia de inverno. 

Que a Árvore da Vida conforte todos aqueles que ficaram, por conta de todos aqueles que partiram...


Um comentário:

Paty Marangoni disse...

Acho mesmo que nos piores momentos, diante de situações das quais nos vemos totalmente impotentes, é que tiramos as grandes lições!

Lindo texto, guerreiro!