segunda-feira, 26 de março de 2012

Pequena História Vermelha


A despeito de uma vida divertida e aventureira, a atividade de bombeiro também reserva surpresas bem desagradáveis para seus combatentes.
Existe um simbolismo imponente quando uma viatura cruza as ruas com todas as sirenes ligadas. É um aviso de que a segurança pública está em ação, mas também o triste sinal de que alguém está perdendo. Seja um bem material ou a própria vida.
A cada dia que passa uma nova cicatriz protege o coração dos bombeiros que testemunham a dor de desconhecidos. Não se trata de indiferença ou frieza. É um escudo.
Tenho quase dois anos de caserna e vi esperanças e vidas se esgotando. Vi gente morta. Idosos, caras da minha idade e certa vez uma criança... Acidentados de trânsito, cardíacos, doentes terminais e até mesmo um carbonizado. Tem também gente que perdeu quase tudo no fogo (lembrando que o que incendeia geralmente é a simples casa de madeira em decorrência de uma vela, e não o imponente sobrado de alvenaria...).


Menos de dois anos... Convivo com colegas de caserna com 7, 15, 25, 32 anos de serviço. E que devem guardar em memórias profundas ocorrências que eu nem imagino.
Por isso, quando no meio da madrugada toca a cigarra de alerta ou ainda a infernal sirene, um arrepio de leve percorre o combatente. Serviço é serviço, mas nos segundos de correria que separam alojamento da rampa de viaturas, muita coisa deve passar pela cabeça dos notívagos militares do Corpo de Bombeiros. Recrutas e veteranos, cada um escrevendo sua pequena história vermelha...


sexta-feira, 23 de março de 2012

Escuridão Laranja


Uma coisa que sinto falta de Guarapuava é a constante atmosfera cinza que povoa meus tão amados dias de outono. O céu nubla, começa a chuva... E esse tempo desbotado perdura por dias, semanas até... Aqui em Campo Mourão isso não acontece. Não lembro nem mesmo a última vez que choveu por aqui, mas já fazia um bom tempo. Até que, de repente, numa quinta de manhã, o clarão vespertino não veio. Somente a chuva. E um friozinho bem leve. A noite caiu, e tomado por uma nostalgia terrível, peguei minha bicicleta e saí pedalar pelas ruas praticamente vazias. A cerração recolhe as pessoas em suas casas, espanta motociclistas, diminui o tráfego de carros. Nesta hora, uma bicicleta solitária cruza o centro mourãoense, sob o fascínio dos postes de vapor de sódio, que emitem sua característica cor alaranjada e emitem fachos visíveis pela névoa que toma conta de tudo.
Tudo isso me lembra um passado que já foi meu. Uma faculdade, um sonho, uma revolta...  Uma outra vida que tive há anos atrás e abandonei. E cuja redenção hoje é apenas minha promessa de lapidar um dia melhor, um homem melhor,...
E em comum, apenas esses dias tão estranhos, quando o céu noturno ganha uma coloração dessas.

Tempos de escuridão laranja...